domingo, 31 de outubro de 2010

O insight da psicosofia pós-moderna



O MAL ESTAR NA ERA DO CONSUMO

Wendy Monteiro Ângelo**


RESUMO
Ao pensar o funcionamento da propaganda e sua influência sobre a sociedade pós-moderna ocidental sob a perspectiva freudiana, temos como ponto de partida o princípio do prazer, pelo qual percebemos um objetivo de satisfação de impulsos no ato do consumo, não só por sua promessa ilusória que se baseia nas variadas técnicas humanas de viver, mas também, pelo próprio processo de consumo configurar-se uma experiência prazerosa para o homem. Abordar o apelo publicitário e sua ordem de consumo sob o viés da teoria freudiana nos ajuda a entender o consumo como um processo gerador da condição de mal estar em algumas sociedades.
Palavras chave: Propaganda. Publicidade. Consumo. Freud.

Link: http://www.mimososulfilpsi.blogspot.com/

ABSTRACT
In thinking about the way advertising works and its influence on western post-modern society from the perspective of Freud as a starting point we have the pleasure principle, in which we perceive an objective of satisfying impulses in the act of consumption, not only for its promise illusion which is based on various techniques of human life, but also by the very process of consumption set up a pleasurable experience for humans. Addressing the advertising appeal of its order intake and the bias of the Freudian perspective helps understand consumption process as a generator of the condition of unease in some societies.
Keywords: Advertising. Consumption. Freud.


1. INTRODUÇÃO

Situando nossos estudos, inicialmente, nas sociedades pós-modernas ocidentais, especialmente, no que diz respeito às proveitosas e diversas experiências verificadas no cenário nacional brasileiro, podemos dizer que, embora Freud tenha trazido à luz importantes considerações sobre o período civilizatório em “O mal estar na civilização”, o desenvolvimento das sociedades trouxeram inúmeras mudanças que transformaram o funcionamento do aparato social, deslocando suas pressões para outros campos de controle. Durante esse processo evolutivo, até mesmo as grandes massas de pessoas deixaram de ser somente consideradas como tais, desintegrando-se e segmentando-se em diversos subgrupos de interesses distintos, ocupando os espaços definidos pelos sistemas econômicos correspondentes designados por segmentos de mercados (FREUD, 1999).
É dentro dessa sistemática atual que encontramos a questão principal deste estudo, de entender como a sociedade do consumo pode ser percebida como uma promessa ilusória e unamemente aceita pela sociedade ao preço do seu mal-estar individual e coletivo, e de amparar a essência dessa hipótese na perspectiva Freudiana da maturação individual.
Recentemente, tem sido muito discutido nas conversas informais, entre amigos, casais ou famílias, a incidência e semelhança de casos médicos envolvendo a saúde das crianças. É realmente preocupante, o índice de casos de doenças infantis como o refluxo gastroesofágico, inflamações e gastrites estomacais, obesidade infantil ou, anemia infantil, além de inúmeros sintomas similares diagnosticados constantemente. Frequentemente, os médicos relacionam a maior parte desses problemas aos estilos de vida das famílias e a má alimentação. Problema maior ainda é o fato de não existirem políticas definidas para tratar dessas questões especificas. Amparando-se num problema maior, mas sem deixar de relacionar a questão da propaganda ao caso específico das crianças, a teoria da comunicação, num trabalho de crítica ao aparato midiático, efetua uma conexão do atual modelo de vivência do homem com a grande influência das mídias, principalmente com a mídia televisiva (KELLNER, 2001). No caso das crianças, o problema acentua ainda mais a influencia da qual trata, tornando sempre necessário e nunca acabado, o exercício de pensar a mídia sob vários aspectos.
Nesse sentido, trataremos de considerar a ação das propagandas a que as crianças estão sujeitas desde muito novas. O mercado considera o público infantil um dos mais lucrativos, uma vez que as crianças matem boa parte do poder decisivo de compra dentro das famílias, principalmente tratando de compras por impulso. Proliferam cada vez mais estratégias visando “atingir” esse público-alvo e obter dele uma reposta positiva. A aceitação de que depende o sucesso dessas campanhas é obtida por meio do encantamento e da identificação da criança com o anuncio do produto. É imensa a lista de objetos e comportamentos que essas campanhas ajudam a introduzir na comunidade infantil. As crianças, que muitas vezes passam a maior parte do seu tempo na companhia da mídia televisa, um dos espaços de veiculação desses anúncios, são inexperientes e facilmente sugestionáveis, são amplamente suscetíveis às investidas publicitárias, que visam aumentar o consumo dos bens destinados ao segmento infanto-juvenil. Esse investimento mercadológico tem acarretado sérios prejuízos ao desenvolvimento individual e social das crianças, iludindo-os e tornando-os cada vez mais imaturos.
É na teoria freudiana do princípio do prazer que poderemos encontrar as primeiras aproximações da psicanálise com o tema. Freud inicia por explicá-la seguindo a lógica de um propósito verificável nas ações humanas. Nesse ponto pretendemos explicar como a propaganda se utiliza de projetos da vida humana para congelá-los em imagens midiáticas formando uma espécie de quadro alucinatório, com a aparência do real. Funcionando como uma promessa ilusória, a propaganda estimula o consumo, causando desde muito cedo, fato verificável na própria infância um novo mal estar, o da era do consumo. Sem poder dar conta de todo o tema, este pretende ser apenas um impulso inicial, para comerçarmos a pensar que se a mídia, organizada pela função publicitária de regras mercadológicas, influencia toda uma sociedade, o faz mais ainda com toda uma geração de crianças e jovens que já nascem e crescem na sociedade do consumo. Não podendo abordar todos os problemas que essas influências podem causar no desenvolvimento infantil e, consequentemente, no processo de maturação individual do homem, iremos apenas tratar aqui da questão da influência da propaganda sobre o ato do consumo, sob o viés da teoria freudiana.


2. A PROPAGANDA, O CONSUMO E O PRINCÍPIO DO PRAZER

Segundo Freud, o objetivo maior do homem é sempre alcançar a felicidade, o que na realidade, consiste na experiência de intensos sentimentos de prazer, mas que também é aceito como ausência de desprazer ou de sofrimento. Sendo o princípio do prazer, estar em uma ou outra dessas situações, percebemos que é também o mesmo princípio que tem guiado a experiência de consumo de grande parte dos indivíduos das sociedades ocidentais, não sendo este seu único motivo, nem sua última explicação. A questão, é que tendo se acostumado com as adversidades da vida que impedem a todos de manterem a felicidade plena, as satisfações substitutivas vem sendo confundidas com o prazer, tornando-se o ideal de felicidade de muitos e até mesmo um fim em si mesmo.
De acordo com o autor, as satisfações substitutivas funcionam como medidas paliativas para suporte da vida, ações ou experiências que diminuem o desprazer, tal como as oferecidas pela arte. São ilusões que contrastam com a realidade, agindo psiquicamente de forma positiva, acentuando o papel que a fantasia assumiu na vida mental do homem. É possível questionarmos aqui, até que ponto as propagandas são criações ilusórias ou acompanham e refletem a realidade cotidiana. Mas sabendo que de fato, é uma construção que precisa recorrer aos objetos da realidade para aproximar-se da mesma transformando-a no seu próprio real, a pergunta mais pertinente seria: De que maneira a propaganda é bem sucedida em seu trabalho de afastar o homem da sua própria realidade oferecendo-lhe uma substituta?
Novamente recorremos ao princípio do prazer em Freud para tentar explicar, de forma um tanto restrita, visto a amplitude do tema, a eficácia das investidas publicitárias no comportamento da sociedade do consumo. A própria proposta da propaganda é baseada nesse princípio, oferecendo o quanto pode, toda e qualquer experiência que possa promover ou aumentar a sensação de prazer do homem, condicionando-a ao uso e consumo de determinado produto. Na verdade, pouco importa a utilidade do produto em si, é precisamente a experiência de seu uso ou de sua posse, passível de causar sentimentos de poder ou virilidade no sujeito, que o torna tão visado e almejado. Não nos ocorre aqui explicar que tipos de artifícios a propaganda usa para atingir esses níveis de visibilidade de um produto ou marca, até porque, são tantos que não poderíamos abordá-los todos de forma satisfatória. O que nos interessa na perspectiva freudiana, de fato, é entender como a propaganda, massificada pelas grandes mídias, atua sobre o funcionamento do aparelho psíquico, de forma a transformar os ideais e comportamentos que fazem, hoje, o sonho e a realidade da sociedade do consumo.
Num primeiro momento, a propaganda atua sobre a percepção individual promovendo a identificação do sujeito com a idéia proposta, ao mesmo tempo, ela busca persuadi-lo apresentando-lhe uma sequência de idéias que apontam um novo rumo para situações já conhecidas. Num segundo momento, a propaganda consegue com seus artifícios de imagem, emissões sonoras e textos, fazer o sujeito colocar-se no lugar que ela própria idealiza para ele, apresentando-lhe uma nova experiência que ela mesma designa como a mais prazerosa de todas, a qual, o sujeito aceita e acolhe como um desejo e um fim em si mesmo o seu processo de consumo. O pensamento de Freud (1999, p.11) sobre o princípio do prazer, expresso na frase “não há possibilidade alguma de ele ser executado”, nos mostra que a proposta da propaganda, por seus próprios méritos, configura-se como uma mera ilusão, mas apreendida de forma pouco semelhante pela sociedade em geral. É como quando Freud diz que encarando a religião como um delírio de massa, não pode dizer que aceitariam facilmente que se abrissem seus olhos para o fato, já que os delirantes não podem reconhecer sua própria ilusão. Da mesma maneira, as pessoas sabem que a propaganda não passa de uma edição de fins mercadológicos, e apesar disso, rendem-se aos seus apelos sem poder reconhecer estarem por ela embasadas, pelo simples fato de identificarem nela seus principais anseios, o objetivo maior de que falamos antes, reduzido pelas adversidades da vida a satisfação temporária de impulso que se converte em prazer.
Segundo Freud (1999, p. 12), “só podemos derivar prazer de um intenso contraste”. Trazendo a citação para esse contexto, podemos dizer que o contraste da experiência de consumo incentivada pela propaganda está entre o ter e o não ter, o que envolve conseqüentemente relações de poder, muitas vezes citadas nas obras de Freud. A propaganda se utiliza da exploração desse contraste para criar a necessidade de consumo no homem. É como se ela dissesse: Se você não consome você continua na mesma, não pode ser feliz, nada pode resultar disso, porque você sabe que não consegue ser feliz sozinho, mas, se você consumir este produto, você será feliz, porque ele te dará novas possibilidades que sem ele você não teria. Ao mesmo tempo em que é uma ilusão, ela é uma promessa, que nunca permite darem conta de sua ineficácia já que logo após a oferta de um produto, já oferece outro, com muito mais possibilidades que o anterior.
Como Freud aponta, a infelicidade é uma experiência muito mais acessível do que a felicidade, por isso é aceitável para a sociedade que a propaganda se coloque também nesse patamar, não como algo impossível, mas como algo pelo que se tem que pagar. O ato de consumo dá prazer por que não é pra qualquer um, quando se torna muito comum e já não existe a “magia” da propaganda mostrando as mesmas vantagens do ato sob diferentes ângulos, ele se torna insignificante, e não mais que uma obrigação cotidiana. Quanto mais valioso for o item no nível ideológico, mais se deve pagar por ele. Dois carros novos, por exemplo, podem servir para basicamente as mesmas funções, conterem os mesmos equipamentos, ter praticamente a mesma qualidade e, ainda assim, um ser muito mais valioso que o outro, não só por seu custo mais alto, mas, também, por projetar maior status a quem o possui. Assim funciona com todas as marcas, que para disputar um lugar no mercado a marca precisa divulgar sempre atributos novos, precisa criar uma imagem única na mente das pessoas, fugir do comum, ter algo especial, e conseguido isso, seu sucesso como objeto de desejo é certo.
Freud (1999, p.12) fala das três fontes primárias de sofrimento do homem: o corpo humano físico, o mundo externo e o relacionamento com outros homens. Sobre este último, ele diz que é “provavelmente, o mais penoso para nós, uma espécie de acréscimo gratuito; não menos inevitável que os outros tipos de sofrimento”. Ele ainda explica que sob a pressão dessas muitas possibilidades de sofrimento, o homem acostumou-se a evitá-las, em detrimento de obter prazer. Isso quer dizer, portanto, que ao evitar o sofrimento, o homem também evita o que o leva ao sofrimento, e nesse esforço, deixa de lado suas possibilidades de obter felicidade. O homem passa a esquivar-se dos relacionamentos e de forma consciente ou não, pode até tentar destruí-los, procurando-se tornar-se menos vulnerável a essa fonte de sentimento que se mostra uma das mais dolorosas em muitos casos, e tornando-se ao mesmo tempo a própria causa de sua infelicidade nos relacionamentos com os outros.
O incentivo ao consumo das novas tecnologias, que promete aproximar as pessoas e encurtar as distâncias, acaba, de forma contrária, por reforçar a individualidade do homem, o que olhando pelo aspecto negativo, tem ajuda a afastar os homens e corromper relacionamentos, transformando as amizades e afetos reais em relacionamentos virtualizados. Segundo alguns pesquisadores, como Muniz Sodré (2002), é possível que esse tipo de contato reduza o sentimento de segurança e aumente a superficialidade dos relacionamentos, por sua impessoalidade e sua concepção fragmentada e pela possibilidade de estar conectado ao mundo todo por um simples aparato tecnológico.
De acordo com Freud, a satisfação do instinto gera felicidade e a não satisfação das necessidades gera sofrimento. A fim de se libertar de uma parte das possibilidades de sofrimento, o homem tenta controlar sua vida instintiva mesmo que inconscientemente. Os agentes controladores são os agentes psíquicos superiores que definem os padrões da realidade individual. Assim, os instintos desinibidos que fazem parte de nossa constituição psíquica, são transformados em instintos sob dependência pelo próprio mecanismo psíquico de vigilância, com o objetivo de proteger o ego contra o sofrimento. O resultado desse processo é a diminuição do potencial de satisfação do homem.
Freud fala também de outro método pelo qual o homem pode guiar sua vida e sentir-se mais próximo da felicidade do que do sofrimento. É o caso do artista, que encontra equilíbrio no trabalho psíquico e intelectual de intensificação do prazer. Embora não seja aplicável à maioria das pessoas, pois depende de um dom nato, a idealização dessa experiência também é algo que possa ser adquirido na sociedade do consumo, é dada para a obra do artista um valor diferente do que é para ele o seu próprio fazer, a contemplação pode existir, mas pode também ser supervalorizada como experiência, incentivando as pessoas a tomarem para si a possibilidade de contentar-se com esse nível de cultura, transformando-as em pessoas que querem sentir-se felizes apenas por possuírem a obra de um artista. É a ilusão formada pela imagem e status de um autor ou obra que produz a banalização da contemplação.
O outro caso de que Freud fala é a tentativa de felicidade que se dá pelo remodelamento delirante da realidade, onde considerável número de pessoas deixa-se levar pelo que o autor chama de delírio de massa, dando o exemplo da religião. Segundo seus estudos, “todo aquele que partilha um delírio jamais o reconhece como tal”. Relaciona-se ao caso já citado anteriormente da publicidade, que não chega ou pretende ser uma weltaunschaung ou visão de mundo que explica todos os fatos, mas que pretende, tanto pela influência de massa, quanto pela persuasão dos sujeitos, orientar o comportamento dos indivíduos pela lógica do consumo.
A técnica de viver mais interessante para Freud é aquela que faz do amor o centro de tudo, que busca toda satisfação em receber e dar amor. Mas também é extremamente arriscada, porque, segundo Freud, nunca nos sentimos tão desamparados, infelizes e indefesos quanto quando amamos, e principalmente, quando perdemos nosso objeto amado ou seu amor.
Mesmo em tão singelo método, podemos encontrar aproximações com o comportamento da sociedade guiada pelo consumo. Falamos do método de viver segundo o propósito de consumir cada vez mais. Com certeza ninguém reconhece tal propósito como fim em si mesmo, existem sempre as explicações para os desejos, existem sempre as “necessidades” a serem satisfeitas, e poucos admitem consumir por consumir. É sempre em vista de um bem maior, mesmo que este seja a própria posse do bem de consumo. Quando Freud (1999, p.17) diz que o método de viver pelo amor não volta as costas ao mundo externo, mas prende-se a objetos desse mundo e “obtém felicidade de um relacionamento emocional com eles”, ele não está falando de objetos de consumo, obviamente, mas trazendo o funcionamento desse método para este contexto, podemos dizer que as pessoas não mantém uma relação puramente material com os produtos que consomem, mas também valorizam sua relação emocional com eles e com as idéias que consomem. É exatamente a sensação que o consumo lhes proporciona que os move no sentido de consumir mais, é a emoção do “vamos às compras?” lhes causa satisfação momentânea, o que lhes parece bem próximo de algo que talvez nunca tenham experimentado, de fato, o sentimento de felicidade. É a experimentação do prazer que o ato de consumo configura com maestria. Não se esquiva nem um pouco de relacionar-se a esse prazer libidinal do qual Freud fala em seus estudos. Ao contrário, explora muitos de seus aspectos com estímulos em imagens, sons e palavras.
Ainda sobre o método de viver baseado no amor, Freud (1999, p.17) diz que tampouco se contenta em visar a uma fuga do desprazer, uma meta de cansada resignação, mas passa por ele sem lhe dar atenção. O indivíduo que assim vive, não se concentra em outras coisas que não o amor. A pessoa que coloca suas expectativas de felicidade a níveis de consumo vive de forma semelhante mudando apenas o objeto de sua atenção, o qual, não é o amor, mas sim um objeto variável, um objeto de desejo movido pelas investidas publicitárias e pela mídia. Nem mesmo o exagero, as dívidas ou o senso do ridículo preocupa um consumista. Ele continua iludido pelas promessas publicitárias que pregam a concessão e a adesão ao consumo, independente de suas consequências. Alguns poderiam dizer, aqui, que essas conseqüências são muitas vezes advertidas nas próprias propagandas e que é a pessoa que tem a decisão de compra que é responsável pelos problemas causados por seu consumo. Se assim fosse, não seria necessário continuar fazendo campanhas publicitárias direcionadas para crianças, como já citado anteriormente, as quais não possuem a decisão de compra, são altamente prejudicadas pela influência incisiva da mídia em seu desenvolvimento psíquico e alvo constante de uma persuasão irresponsável que supõe até mesmo que uma criança é melhor que a outra por possuir determinado produto. O consumista compulsivo não consegue facilmente deixar lado sua obsessão, por mais que o prejudique, pois como ocorre com o apaixonado, “se aferra ao esforço original e apaixonado em vista de uma consecução completa da felicidade” (FREUD, 1999, p.17).
O consumista sente que apenas no processo de consumo ele se sente realmente satisfeito, até descobrir um novo objeto para o seu desejo. E o processo nunca está acabado, essa, é parte de sua magia. Há sempre algo para completar o seu desejo inicial, e tudo acaba sendo motivo e necessidade de consumido. Se a mulher compra uma blusa, precisa de uma bolsa e então, de um sapato para combinar. Se os têm, precisa da maquiagem, ir ao salão arrumar unhas e cabelos para, então, mostrar aos outros suas aquisições. E é assim que se mantém o ciclo vicioso do consumo. Desde a infância os pais incitam a ilusão dessa experiência na vida das crianças. Sempre que a criança quer alguma coisa e o pai compra para agradá-la, ele está provando para ela que ela precisa daquilo para ficar feliz. No momento que a criança quer uma coisa e não ganha, parece que nada mais irá consolá-la, tamanha é sua decepção. Mas logo que se esquece o objeto desejado, o sentimento de tristeza passa e ela volta a ficar exatamente como estava antes de algo despertar sua vontade. Se nesses momentos os pais cedem à vontade da criança, ela dificilmente irá discernir sua vontade de sua necessidade. Para ela, a satisfação de sua vontade será absolutamente necessária, desejo será equivalente à necessidade, podendo criar sérios prejuízos para sua vida em uma fase mais adulta.
O apelo da propaganda para o consumo ainda pode vir acompanhado do objetivo de fruição da beleza, tendo colocado a função estética como um dos seus argumentos e fins práticos. Mas a beleza é totalmente subjetiva e buscada também na atitude do consumo – a beleza física, a beleza de um lar, a beleza nos objetos, etc. De acordo com Freud (1999, p.17) sobre a beleza, “A civilização não pode dispensá-la”.
O projeto de ser feliz, que o princípio do prazer supõe, não pode ser realizado. Mas, nem por isso, é preciso deixar de tentar, de qualquer forma que nos pareça razoável e possível. De acordo com Freud, é tarefa de todo homem, descobrir por sua própria conta de que modo específico ele pode ser salvo.
“É uma questão de quanta satisfação real ele pode esperar obter do mundo externo, de até onde é levado para tornar-se independente dele, e, finalmente, de quanta força sente à sua disposição para alterar o mundo, a fim de adaptá-lo a seus desejos” (FREUD, 1999, p.18).
O modo de vida guiado pelo consumo encontra explicação em todas as técnicas de busca da felicidade, aceita e é aceito por todas. A publicidade explora todas essas razões e idealiza todas essas tentativas com a promessa de tornar seu objetivo maior uma realidade. Todo mundo sabe que o consumo de qualquer coisa não conseguiria tal resultado sozinho, mesmo assim, não deixam de pensar que ele pode facilitá-lo ou mesmo compensar o fracasso desse objetivo maior.


3. CONCLUSÃO
Sobre as pressões da civilização com relação à sexualidade, na obra de Freud, temos que perduram muitos tabus, contribuindo para inibir os impulsos libidinais do homem. Essas restrições foram deslocadas do quadro central da sociedade, não encontrando espaço na programação espetaculosa da mídia. Com a recente demanda no mercado por produtos que atendam aos interesses de pessoas com estilos de vida e preferências alternativas, como os homosexuais e as tribos urbanas de jovens, entre outros, ampliou-se também a quantidade de anúncios publicitários voltados para tais públicos diferenciados e o cerceamento sobre a questão de opção sexual foi perdendo a sua força. A idéia de monogamia também foi descontinuada, embora não sendo explícita essa noção, existem fortes apelos publicitários para a busca de sedução de vários homens e de várias mulheres.
As pressões que cercavam a civilização influenciaram negativamente a vida sexual do homem, trazendo-lhe traumas, culpas e uma série de transtornos para sua vida social e psíquica. Apesar disso, mesmo a abertura da mídia para a questão da sexualidade, e o apelo publicitário para o desejo libidinal, não aumentou a independência do homem sob essas pressões, pois o mesmo vive agora pressionado pelos padrões estéticos estabelecidos pela mídia e pela propaganda que incisivamente relacionam a capacidade de atração sexual de uma pessoa com a posse de algum objeto ou a característica física proporcionada pelo uso de algum produto do mercado.
Ainda sobre as pressões da civilização, Freud explica a inibição dos instintos libidinais a partir do desenvolvimento do superego na mente humana, que influenciado por essas pressões externas funciona psiquicamente como um vigilante da ordem interno, que intensifica o trabalho da consciência ou sentimento de culpa.
Não é só porque a orientação para o consumo trouxe tantas liberdades à tona que o homem pode sentir-se de fato livre das pressões sociais. Principalmente, ele não consegue ver-se livre das pressões e coerções determinadas pela sua própria consciência. Coexistindo com os preceitos religiosos que continuam permeando as regras sociais, o ato do consumo configura-se na mente humana como ato proibido, sendo ainda, alvo da vigília do superego, o qual “atormenta” o ego pecador. Tanto podemos considerar tal questão quando nos deparamos com as famosas “desculpas” sobre o consumo. Quando a pessoa compra muito, logo diz “foi para aproveitar a promoção” ou quando a mãe cede à vontade de seu filho “ele estava mesmo precisando ganhar um brinquedinho, não tinha nada pra brincar” ou ainda, “o que vão pensar de mim se eu não estiver na moda e bem vestida?” No fundo, a pessoa pode sentir-se culpada por ceder aos seus impulsos e consumir mais do que precisa. Mas, o sucesso da propaganda está exatamente em convencer e encantar de tal forma que as outras coisas fiquem em segundo plano, e que só depois do ato da compra, a pessoa possa se dar conta de seu sentimento de culpa. As origens do sentimento de culpa não foram extintas. O mal estar continua acentuando a incapacidade do homem em atingir seu principal objetivo, a felicidade.
Quando Freud fala da origem da consciência e da extrema severidade com que funciona o sentimento de culpa nas pessoas mais dóceis, supõe que a renúncia instintiva cria a consciência, a qual, por sua vez, exige cada vez mais renúncias instintivas. Remetemos aqui, o consumo à infância. Nas pessoas onde atua com maior impacto o sentimento de culpa, mesmo sem negar seus desejos, elas sentem-se culpadas, desculpam-se por suas atitudes de consumo compulsivo, mesmo que isso não as prejudique de fato. Pode-se supor que durante sua infância essa pessoa foi submetida a repetidas situações de privação ou negação de seus impulsos. Talvez quando criança, essa pessoa tenha sido pobre e sua família não tinha condições ou meios de adquirir objetos dos quais necessitavam. Na fase adulta, é normal que essa pessoa, tendo poder aquisitivo suficiente para comprar o que desejar, queira satisfazer suas necessidades e até mesmo vontades de consumo. Apesar de não existir mais ninguém que possa regular ou reprimir essa pessoa em seu comportamento consumista, ela pode sentir-se extremamente culpada por tais atitudes, mesmo que a coerção por suas ações se manifeste de forma inconsciente.
Sendo assim, Freud lança muita luz sobre a questão da atuação da propaganda na sociedade do consumo, embora existam ainda tantas outras questões que ainda não foram abordadas. No entanto, podemos dizer que o consumo não funciona apenas como válvula de escape para as pressões do dia-a-dia, mas também, para muitas pessoas, como método de alcançar prazer e até mesmo algo que possam chamar de felicidade. A proposta aqui é que o mecanismo econômico que orienta o sistema de organização da vida social, toma forma e pode ter suas bases apreendidas a partir da análise das campanhas publicitárias, que visam promover um alto índice de consumo de determinado produto. Que elas atuam por meio da persuasão e do encantamento já é bem conhecido, mas o fato de que elas utilizam todos os artifícios relacionados a técnicas de alcance da felicidade e afastamento do sofrimento, configurando-se como uma promessa ilusória que não é reconhecida como tal, mas principalmente como algo que dispensa reflexões mais profundas ainda carece de análise. E ainda, a idéia aqui, é que assim como Freud propõe que se estude as estruturas e parâmetros normais de comportamento de uma sociedade a partir da análise do patológico, também é preciso estudar o comportamento compulsivo de uma parcela de consumidores para compreender as verdadeiras estruturas que regem uma sociedade de consumo.


4. REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund; O mal-estar na civilização, Frankfurt: Fischer, 1999.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia, São Paulo: EDUSC, 2001.
SODRÉ, Muniz; Antropológica do espelho, Rio de Janeiro: Vozes, 2002.